Bem jurídico




Tipo Objetivo

Sumário : I – No caso presente o que o condenado, ora recorrente, pretende é a apreciação de novos meios de prova, consubstanciados numa carta manuscrita e nos depoimentos de duas testemunhas apresentadas, uma delas autor da missiva, cujos depoimentos seriam demonstrativos de que o recorrente não cometeu o crime de burla por que foi condenado, pois o “negócio” celebrado pelo ofendido não foi com o arguido, mas com outrem, nem tão pouco estivera no locus delicti no dia 4 de Agosto de 2008.

II – O objecto do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas da motivação apresentada pela recorrente, não havendo neste recurso extraordinário lugar, por razões óbvias (em causa está apenas a fixação da matéria de facto), a qualquer conhecimento oficioso.

III – A única questão a apreciar prende-se com a aferição da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.

IV – Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.

V – Como se assinala no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de Julho de 2000, proferido no processo n.º 379/99-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Dezembro, e no BMJ n.º 499, pág. 88, trata-se de recurso com uma natureza específica, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 

VI – O direito à revisão de sentença encontra consagração constitucional no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, versando em concreto sobre «Aplicação da lei criminal», no domínio dos direitos, liberdades e garantias, exactamente inserido no Título II, subordinado à epígrafe “Direitos, liberdades e garantias”, e a partir da primeira revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro de 1982 -, no Capítulo I, sob a epígrafe “Direitos, liberdades e garantias pessoais”. Trata-se de preceito que contém o essencial do “regime constitucional” da lei criminal.

VII – Releva para o caso presente, o n.º 6 deste preceito, que reconhecendo e garantindo o direito a revisão, estabelece: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”. Este n.º 6, acrescentado ao artigo 29.º pela referida Lei Constitucional n.º 1/82, mais não é do que a reprodução/transferência do primitivo n.º 2 do artigo 21.º da Constituição da República, na sua redacção originária, inserto então em norma que versava sobre “Responsabilidade civil do Estado”.

VIII – Segundo José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1984 (reedição), volume V, pág. 158, “O recurso de revisão pressupõe que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa a eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça”.

 IX – Admitindo que a sentença judicial não tem o alcance de modificar a realidade do direito substantivo, transformando por misericordiosa ficção o injusto em justo, deverá tirar-se a consequência de que nenhuma decisão judicial seria definitiva e irrevogável.

X – A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excepcional e com fundamentos taxativos.

XI – Nas palavras de Luís Osório da Gama e Castro de Oliveira Batista, no Comentário ao Código de Processo Penal Português, Coimbra Editora, 1934, 6.º volume, págs. 402-403: “O princípio da res judicata pro veritate habetur é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos de alcançar. (…) A revisão tem a natureza de um recurso. (…) A revisão é um exame do caso quando surgem novos e importantes elementos de facto. Pode assim dizer-se que se não trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos”.

XII – Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-04-2005, proferido no processo n.º 135/05 - 3.ª Secção, publicado na CJSTJ, 2005, tomo 2, pág. 179, o recurso extraordinário de revisão consagrado no artigo 449.º e seguintes do CPP apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos-índice, taxativamente enumerados naquele normativo, seriamente a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo.

XIII – Constitui passo imprescindível para a apreciação de recurso de revisão com este fundamento, o conhecimento do núcleo essencial da decisão revidenda, ao nível da fixação da matéria de facto, pois que como se refere no já aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de Julho de 2000, processo n.º 379/99 - 1.ª Secção, publicado in BMJ n.º 499, pág. 88, uma vez que a revisão solicitada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal implica apreciação de matéria de facto, a decisão a rever deverá ser aquela que tiver apreciado os factos provados e não provados, sendo essa a decisão a submeter a recurso de revisão.     

XIV – Pereira Madeira, no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, pág. 1507, afirma: “3. A revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre a questão de facto. Não se trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos de facto. Por tal motivo, não parece admissível o recurso com o objectivo apenas de alteração da qualificação jurídica dos factos.

Em regra, a revisão funda-se em matéria de facto e só excepcionalmente algumas legislações a admitem com base em matéria de direito. Será o caso da previsão das alíneas e), f) e g), aditadas pela Lei n.º 48/2007, de 29/8”.

XV – A conduta do ora recorrente que relevou para o preenchimento do tipo objectivo da burla por que foi condenado é a de ter convencido o ofendido AOAAS de que era o dono da máquina retroescavadora giratória, de marca Catterpiller, modelo 235-D, com o n.º de série 08TJ00125/A6C7605 — quando, como bem sabia, não o era —, levando aquele a entregar-lhe a quantia de € 12 000,00, para pagamento do preço da mesma, nos termos do negócio de compra e venda referente a essa máquina, celebrado entre ambos.

XVI – Na verdade, o recorrente no recurso para a Relação, na defesa da tese de dever ser absolvido do crime de burla, não questionou ter celebrado com o ofendido um contrato de compra e venda tendo por objecto a referida máquina. O que sustentou foi que, como consta da conclusão 17.ª, era, então, o dono e legítimo possuidor da mesma por a “B - SFCB, S.A.”, ter celebrado consigo, na qualidade de legal representante da “A, Unipessoal, Lda” um contrato de compra e venda, mediante o qual aquela sociedade lhe transmitiu a propriedade da máquina dos autos, pelo preço fixado de € 20 000,00.

XVII – No primeiro recurso extraordinário de revisão interposto em 15-07-2012, o arguido, invocando a alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, indicou duas testemunhas, a saber, GG e EE, e juntou um relatório social elaborado pelo ISS.IP, em 30-04-2012, no âmbito de um processo de … .

XVIII – O recorrente invocava então que no dia 4-08-2008, não estava em Chaves, mas em Sesimbra a tratar de um negócio de uma pedreira.

XIX – As duas testemunhas afirmaram que no dia 4 de Agosto de 2008, o requerente encontrava-se no sul do país, numa deslocação de negócios a uma pedreira, sita em … ou …, perto de Sesimbra, aí permanecendo no dia seguinte, pelo que não era possível naquele dia 4 de Agosto ter estado em Chaves.

XX – No presente recurso foram arroladas duas testemunhas, uma delas exactamente o mesmo EE, que já depusera no primeiro recurso de revisão. Ao responder ao Advogado do recorrente, pelo minuto 4.02, refere-se ao primeiro recurso de revisão, onde depôs como testemunha, dizendo agora que no princípio de Agosto de 2008, o ora recorrente estava com o depoente por o ter acompanhado quando tinha de, no segmento da sua actividade dedicado a sucata naval (minuto 12.00), apresentar uma proposta de desmantelamento de barcos que se encontravam na baía do Seixal. Esta proposta de desmantelamento de barcos no Seixal é repetida pela testemunha quando interpelada pela Exma. Juíza ao minuto 10:40. Mais. A testemunha referiu, ao minuto 12:22-23, que “desde aí que ele (A - arguido) sempre me disse que não tinha nada a ver com esse negócio”, negócio da máquina, entenda-se.

XXI – Acontece que sendo o negócio com o árabe no princípio de Agosto de 2008, como iria o recorrente dizer o que disse, quando ainda não teria tomado conhecimento do negócio, pois que estando no Seixal, não sabia o que por aqueles dias, outrém estaria a fazer em Chaves…

XXII – Ora aí está como em dois depoimentos separados por mais de sete anos – finais de 2012 e 13 de Janeiro de 2020 –, se opera uma convolação de um negócio de uma pedreira em Sesimbra em negócio de sucata naval, com desmantelamento de barcos, na baía do Seixal. 

XXIII – Em 1-12-2019, decorridos 11 anos, 3 meses e 26 dias, sobre o dia 4 de Agosto de 2008, DD, que fora colaborador do recorrente no estaleiro da …, …, Póvoa de Varzim, entre 2007 e 2008, fazendo muitas vezes de seu motorista, envia uma carta manuscrita ao ora recorrente.

XXIV – Ouvido, disse o depoente que teve conhecimento da situação prisional do ora recorrente num almoço na … com EE, que o pôs ao corrente da situação, dizendo que na causa da reclusão estava um negócio celebrado com um árabe.

XXV – Na carta diz que o arguido está inocente “porque quem fez esse negócio com o A fui eu”.

XXVI – Refere no depoimento que tendo combinado encontro com o árabe no estaleiro “Teve muita sorte, pois naquela altura estavam a manobrar máquinas para alinhá-las para uma exposição e então mostrou do lado de fora a máquina ao árabe. Ajustaram o preço de 12.000,00 €, mas para surpresa sua, o árabe tinha levado uma pasta cheia de notas e o negócio fez-se”. Como refere, recebeu o dinheiro, mas esqueceu-se de fazer a sua parte, que era entregar a máquina. Tudo isto se passa de manhã, pela hora do almoço, seguindo depois para o Porto e nunca mais aparecendo no estaleiro da Póvoa.

Tendo-lhe sido perguntado se não foi pedido um comprovativo, uma factura, respondeu que bastou um aperto de mão.

Sendo perguntado que vantagem teria BB em negociar com a testemunha em vez de o fazer com o arguido, respondeu que BB tinha pressa em pegar na máquina.

Não sabendo o número do árabe, nem tendo trocado números de telefone, foi pedido que explicasse a frase da carta em que diz “Liguei ao árabe, para ver se ele a queria comprar, ele disse logo que sim”. A resposta foi que era “um pouco disléxico”.

XXVII – O depoimento não oferece credibilidade, anotando-se que mal se entende que, indo BB a Chaves para ver uma máquina, se tivesse feito acompanhar de uma pasta cheia de notas, tão cheia que dava exactamente para pagar o preço de uma máquina que acabara de ver em acção.

XXVIII – De toda esta argumentação posta no recurso, há um ponto presente. Incontornável. O arguido nunca negou ter recebido o dinheiro que BB pagou pela máquina. Por todo o exposto, é de denegar a revisão.

XXIX – Para além das custas pela sucumbência no recurso, o recorrente será condenado na quantia a que alude o artigo 456.º do CPP, sancionando a montagem de um panorama factual, com pinceladas de inverosimilhança, incongruência, com total desrespeito pela lógica e coerência, com versões fantasiosas, a roçar a negligência grosseira. Ac STJ de 19-02-2020


Sumário: I - São elementos constitutivos do tipo de crime de burla:
- A acção típica isto é, que o agente, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determine o burlado à prática de actos que lhe causem a si ou a terceiro um prejuízo patrimonial; [Tipo objectivo]

- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, ao qual acresce uma específica intenção, o dolo específico, a intenção de obtenção, para o agente ou para terceiro, de um enriquecimento ilegítimo. [Tipo subjectivo]

II - São elementos constitutivos do tipo de crime de extorsão:

- A acção típica isto é, que o agente, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranja outra pessoa a uma disposição patrimonial que lhe cause, ou a outrem, prejuízo; [Tipo objectivo]

- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, e o dolo específico, a intenção de obtenção, para o agente ou para terceiro, de um enriquecimento ilegítimo. [Tipo subjectivo]

III - Na extorsão, o resultado, a disposição patrimonial, é alcançada por meio da violência ou ameaça com mal importante, enquanto que na burla, é alcançada através do erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados.

Ac TRC de 17-05-2017

Sumário: I. Para o preenchimento do tipo objetivo do crime de burla é necessária «a prática de atos» pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida, «que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial».
II. O crime de falsificação ou contrafação de documento comporta diversas modalidades de conduta, no plano objetivo, contempladas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal.
No plano subjetivo exige o dolo genérico, consubstanciado no conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade; bem como, ainda, o dolo específico, plasmado na intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
III. Tendo o arguido sido absolvido em 1ª instância e condenado no julgamento do recurso interposto para a Relação, a determinação da respetiva espécie e medida da pena é feita nesta última instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal, conforme jurisprudência já fixada nesse sentido no acórdão uniformizador do STJ n.º 4/2016, publicado no Diário da República n.º 36/2016, Série I, de 22.02.2016.

Ac TRG de 03-04-2017

Sumário: I - Para que se esteja perante um crime de Burla, do art. 217º, CPenal, não basta o simples emprego de um meio enganoso: torna-se necessário que ele consubstancie a causa efetiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, de atos de que decorram prejuízos patrimoniais.
II - A consumação do crime passa, assim, por um duplo nexo de imputação objetiva: i) entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de atos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio); e ii) entre os últimos e a efetiva verificação do prejuízo.
III - Mesmo que se tivesse provado que a arguida, no âmbito da sua atividade comercial, “convenceu” a ofendida a celebrar com ela um negócio diverso daquele que ela inicialmente pretendia, ainda assim, tal não seria suficiente para se concluir pelo cometimento do crime de Burla.

Ac TRP de 11-12-2013

Sumário: I - O momento da consumação do crime de burla é aquele em que o lesado abra mão da coisa ou do valor sem que a partir daí se possa controlar o seu destino, então já sem disponibilidade sobre esse património
II - Assim, o crime de burla ficou consumado com a imediata transferência da quantia para outra conta de qualquer agência, em qualquer localidade, e bastando que, ao nível do tipo objectivo, se observe o empobrecimento (= dano) da vítima.

Ac TRL de 03-09-2013

Sumário : I- O crime de burla qualificada previsto e punido no artigo 218º do Código Penal (CP), é um crime autónomo em relação ao simples crime de burla previsto e punido no artigo 217º do CP..
II- O crime de burla qualificada p. e p. no artigo 218º nº 2 do CP, é autonomizado tipologicamente, por qualquer das qualificativas previstas nas alíneas desse nº 2 , entre as quais consta a da alínea c) que é integrada pela factualidade de: “A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica.”
III- A mera materialidade factual constitutiva da agravação, de per se, não responsabiliza automaticamente o agente pelo resultado produzido,
IV- Sendo certo que o crime de burla configura um crime de resultado parcial ou cortado, em que o agente actua com intenção de obter (para si ou para outrem) um enriquecimento ilegítimo, mas, a consumação do crime não depende da concretização do enriquecimento do agente, bastando para o efeito que, ao nível do tipo objectivo, se observe o empobrecimento (=dano) da vítima», é também delito de execução vinculada, pressupondo duplo nexo de imputação objectiva, quer na existência de um nexo entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do seu património, quer na ocorrência de um nexo entre estes últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial . Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 276 e 277 e,, págs. 298 e 293.
V-A verificação do crime de burla qualificada, nos seus diversos elementos, incluindo a intenção do agente, tem de resultar da matéria de facto provada, por constituir matéria de facto.
VI- No domínio da acção do agente no crime de burla qualificada, na produção do resultado típico, há que apurar pois, a amplitude da sua vontade na representação desse facto agravativo, de forma a poder definir-se a modalidade da sua responsabilidade criminal (dolo directo, necessário, eventual)
VII - A aplicação automática do desiderato factual constante da alínea c) do artº 218º do C.Penal, resultaria, pela mera aplicação do seu literalismo, numa espécie de responsabilidade objectiva, o que inviabilizaria a determinação da culpa do agente por essa agravação, nomeadamente para limitar a gravidade da pena.
VIII- Vindo provado que: O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente com o propósito conseguido de, ao fazer crer aos assistentes que iria honrar o acordo que fez com eles, lograr com eles celebrassem um contrato de compra e venda consigo, assinassem um contrato de mútuo e uma livrança, e largassem mão da quantia de 1.900,00 € (mil e novecentos euros), que integrou entre os seus bens- Sabia que a sua conduta era reprovável e contrária à lei. Em virtude da conduta do arguido/demandado os demandantes civis ficaram numa situação de grave insuficiência económica, (…)” mas, não vindo provado que:“O arguido sabia que os assistentes eram de muito modesta condição económica e sendo homem experiente em negócios e financiamentos, sabia que o contrato de mútuo que submeteu à Sociedade Financeira iria envolver os assistentes num negócio obrigacional altamente oneroso e que seguramente lhes traria uma diminuição financeira que estes não procuraram nem desejavam, devido ao valor dos juros correntes para este tipo de contrato; sabia que com a conduta descrita,(…) poderia deixá-los em situação económica difícil e no entanto conformou-se com essa possibilidade, não se coibindo de actuar conforme descrito;” nem consentindo a matéria de facto provada que se possam extrair ilações por presunção judicial sobre a existência do elemento subjectivo do tipo de burla qualificada, não pode dar-se como provado este elemento, pois que, in casu, quando os assistentes contrataram com o arguido e, assinaram a livrança em branco, e, mais tarde quando entregaram o cheque de 1900 € ao arguido - não se sabe se este quis, ou representou como consequência necessária, ou como possível que a vítima viria a ficar em difícil situação económica, sendo-lhe indiferente o resultado.
IX- Embora não tenha ficado assente que o arguido tenha perpetrado a sua conduta delituosa com a intenção, ou pelo menos prevendo-a como resultado, de colocar os assistentes em situação económica difícil, (condição sine qua non de punibilidade, dado que este é um crime apenas punível a titulo doloso.), não significa que tenha necessariamente de concluir-se pela procedência parcial da acusação, decaindo a qualificativa do crime de burla.
É que, se o crime de burla agravada em questão, integra o objecto do processo, como thema probandum, e thema decidendum, não consta da decisão recorrida, a existência de factos provados ou não provados, no sentido de que tal thema fosse investigado, com vista a poder formular-se um juízo decisório.
X- Sendo o objecto do processo balizado pela fattispecie da acusação, incumbe ao tribunal do julgamento investigar todos os elementos indispensáveis à decisão da causa, socorrendo-se se necessário for, do disposto no artigo 340º do CPP., com vista a poder concluir da procedência ou não da factualidade incriminatória.
XI- Não constando dos factos provados, nem dos factos não provados, a existência de factualidade referente ao elemento subjectivo do crime de burla qualificada, há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício constante da alínea a) do nº 2 do artº 410º do CPP, a conhecer oficiosamente pelo Supremo nos termos consentidos pelo artº 434º do CPP. e, na procedência de tal vício, a implicar o reenvio parcial do processo para novo julgamento relativamente à questão aludida, conforme artº 426º nº 1 do CPP.
XII- A situação supra exposta, continua a subsistir quer do ponto de vista substantivo, quer nos termos da lei adjectiva, nas revisões legais (penal e processual penal) de 2007, pois que de harmonia com a Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro, os pressupostos do crime de burla e do crime de burla qualificada supra referido, continuam a verificar-se conforme arts 217º e 218º nº 1 al d) do C,Penal; e o conteúdo dos artigo 410º nº 2 do CPP, continua a verificar-se, bem como os pressupostos do reenvio, agora contemplados no artigo 428º do mesmo diploma. Ac STJ de 17-10-2007